Já pensou se os países colonizados pela Inglaterra resolvessem excluir a obrigatoriedade de Shakespeare no ensino de literatura? Tal proposta parece-nos inadmissível quando pensamos na importância de Shakespeare para a literatura inglesa, e até mesmo para a literatura universal. Aqui no Brasil, Luiz de Camões, Camilo Castelo Branco ou José Saramago jamais seriam ‘desconvidados’ a participar de nossa matriz curricular, certo? Errado! O MEC, através da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), acaba de desobrigar o ensino de literatura portuguesa nas escolas brasileiras. De acordo com artigo “Literatura Portuguesa naufraga no Brasil”, publicado no último dia 28 de janeiro, no jornal Folha de São Paulo. Segundo a matéria, a reunião aconteceu sem a participação de literatos, linguistas, e estudiosos da literatura. O aspecto positivo do documento foi a inclusão da literatura dos países africanos de língua portuguesa e a cultura dos povos indígenas. Mas quais são as implicações destas mudanças?
Para começar, nossa literatura brasileira se torna órfã, pois a construção de nossa identidade literária foi marcadamente influenciada pela literatura portuguesa. Nossa literatura do período colonial possui traços dessa literatura. Segundo o professor Vicente de Paulo Ferreira, da Pastoral do instituto Metodista Granbery (Juiz de Fora), “incluir a literatura africana lusófona e indígena é bom, mas não se deve eliminar a portuguesa. Há espaço para todas. Senão, corre-se o risco de perdermos a memória de nossa própria formação cultural”.
Outra questão difícil de entender é a proposta de escolas não formalistas, que propõe a inversão da lógica cronológica do ensino de literatura: primeiro, a leitura dos autores portugueses contemporâneos para mais tarde introduzir a leitura dos clássicos, tudo em nome do ‘amadurecimento linguístico’ do aluno. O professor Vicente ressalta que “parece bom, mas como entender a literatura moderna sem as anteriores às quais reage? Parece começar a construção da casa pelo telhado, sem os alicerces que a sustentam.” Bom, nossas primeiras obras literárias dialogam com as obras portuguesas e com outras do cânone universal, e os leitores devem ter leitura suficiente para participar deste diálogo. Se invertermos a ordem, como tornar possível o diálogo?
E pensando neste diálogo, ressalto a importância que a literatura tem ao retratar as representações culturais de um povo, e acima de tudo, dar voz a este povo. Mas, se a literatura portuguesa é sutilmente convidada a sair do cenário educacional brasileiro, nosso diálogo começa a tornar-se vazio já que perdemos nossa primeira interlocutora. Além disso, se a literatura moderna reage aos discursos da literatura portuguesa, penso que seria uma manobra sutil para retirar do cenário literário o viés crítico que a literatura possui. Ainda, se o objetivo é dar mais espaço— talvez seja essa a ideia— para o estudo das literaturas de minoria, essas literaturas deveriam construir um discurso crítico, e através desse, descentralizar discursos dominantes. Parece-me mais fácil excluir este processo critico da rotina do aluno, assim a dominação, que vem sutilmente de dentro, pode encontrar seu espaço na mente de um povo que se torna cada vez mais subjugado.
Gean Carla Pereira
Artigo publicado na Revista Suindara, Academia Valadarense de Letras. Ano 12/2016